Hoje, enquanto rolava por um tempinho a timeline do meu Instagram, me deparei com um post de um desenho animado que eu assistia muito na infância, Coragem, o cão covarde. O post, mostrava o momento em que a Muriel encontrava o pequeno cachorrinho na rua, solitário e escondido entre latas de lixo. Ao pegar ele no braço, uma das primeiras frases dela pra ele foram “Que coragem você tem. Te levarei pra casa comigo e te chamarei de Coragem”. Coragem. Eu gosto muito dessa palavra, talvez ela esteja entre as palavras que acho mais bonitas em português. Coragem. O sentimento que se manifesta quando agimos pelo coração.
Olhando a imagem do pequeno cachorro cor de rosa, assustado, encarando o rosto daquela que viria a ser o grande amor da sua vida, a Muriel, me lembrei da infância, dos dias em que acordava cedo apenas para assistir os desenhos animados que passavam na TV. Até hoje, é difícil explicar a sensação que esse desenho me causa, acredito que é uma mistura de medo e curiosidade. Medo em primeiro lugar, porque a atmosfera do desenho, a trilha sonora, a casinha no meio do nada, os dois idosos solitários, o moinho de vento, me passavam uma sensação estranha de isolamento, de um lugar fora da realidade, um lugar distante de tudo. Eu sentia muita solidão naquele cenário. Mas uma coisa em mim, me fazia querer ver todos os episódios, me fazia querer acompanhar cada etapa da jornada do Coragem, observar suas tentativas falhas de alertar a Muriel sobre os perigos que rodeavam a casa, salvar os seus donos dos seres esquisitos que apareciam lá, e eram tantos.
Lembro que em todos os episódios, algum estranho sempre chegava na casinha isolada, e a Muriel, com seu coração bondoso, sempre recebia muito bem e acolhia esses estranhos. Coragem, diferente dos dois, ficava no canto, observando, analisando a situação e não demorando muito para perceber as intenções de quem estava por trás de cada visita. E aí, começava a saga do pequeno cãozinho para avisar seus donos sobre o perigo que eles corriam. E como me deixava ansiosa ver as tentativas do Coragem de salvar a Muriel e o Eustácio, este último que em nada colaborava. Para Eustácio, Coragem sempre foi um “cachorro idiota”. Eu tinha bastante pena do Coragem, eu via dentro de mim todos os medos dele, ansiava por ele, queria fugir junto com ele, em certos momentos torcia pra que ele fosse embora de vez e deixasse todos naquela casa, era difícil ver a forma como ele não era compreendido, a maneira como não era levado a sério. Mas Coragem nunca ia embora, ele sempre escolhia ficar, pois o amor que ele sentia pelos seus donos, e principalmente por sua querida Muriel, não permitia que ele desistisse da nada.
O que tanto me tocou ao relembrar esse desenho, foi a sensação de me conectar mais uma vez com os sentimentos do personagem. Aquela mistura de medo e de coragem. Foi algo tão familiar. Sinto como se vivesse assim como ele, morrendo de medo dos perigos da vida e precisando de coragem pra não desistir. A coragem do Coragem (nunca repeti tanto uma palavra em um texto), nasce do amor que ele sente pela Muriel. É no amor que tudo reside, daí o “agir pelo coração”. Mesmo vivendo em um lugar solitário, com dois idosos que talvez permanecessem na sua vida apenas temporariamente, Coragem agarrava com suas pequenas mãos trêmulas o amor e continuava lutando até que tudo terminasse bem.
Eu acho que gostava tanto de Coragem, o cão covarde, porque esse era o único desenho que mostrava, de uma forma um tanto humana, o paradoxo do medo. Outro desenho que também retratava o medo, era Scooby Doo, mas esse medo não era mostrado da mesma forma que em Coragem, porque diferente do cachorro caramelo que era motivado por um biscoito, Coragem era motivado pelo amor. Um amor tão grandioso que tornava o pequeno cachorro trêmulo e covarde em um cachorro forte e corajoso. E sobre o medo, era interessante ver como ele era retratado no desenho. Coragem tremia, gaguejava, paralisava, mostrava inclusive traços fortes de ansiedade, e eu, criança, olhando suas crises, sentia meu coração acelerar e torcia pro Coragem conseguir de alguma forma fazer a Muriel perceber que havia algo errado com aquelas pessoas.
E o Eustácio, senhor, como odiava esse homem. Como se não bastasse o sofrimento do pobre cachorro, o Eustácio maltratava, ofendia e ainda o botava pra fora de casa. Como me irritava o velho ranzinza, e também me fazia pensar no porque da Muriel ter se casado com um homem tão cruel. Não vou mentir, eu desejava secretamente que a Muriel fossem embora com o Coragem e que os dois vivessem sozinho, em outro lugar, longe da companhia desagradável do Eustácio.
Mas o velho tinha lá seus pontos positivos, mesmo sendo um fracote (o que para mim era uma falha na construção do personagem, pois na minha cabeça pelo menos alguém deveria ser forte ali). Mas no fim, a força do desenho havia sido direcionada apenas para o pequeno cachorrinho cor de rosa, que tremia com tudo, mas que encarava todas as ameaças com uma coragem absurda, coragem essa que partia de dentro do seu coração amoroso e muito, muito grande. Tenho muito a aprender com o Coragem. Tenho muito a refletir sobre o medo. A lição que aprendo com o Coragem é a de que preciso amar de verdade as coisas que eu desejo conquistar, para que o medo não continue me paralisando no caminho. E que o amor é capaz de passar por cima de qualquer coisa, independente do meu tamanho e do tamanho do meu medo.
“Vá com medo Coragem, mas vá.”